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Família e amigos

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Orientação aos pais


DESAFIO PRECOCE

A preocupação com o desenvolvimento intelectual dos prematuros deve começar na saída da UTI neonatal

Nas últimas duas décadas, duplicaram as chances de vida de bebês que nascem com pouco mais de meio quilo e são tão pequenos que quase cabem na palma da mão. Superado o grande obstáculo da sobrevivência, no entanto, a medicina vê-se às voltas com outro tipo de problema. Estudos recentes mostram que o impacto da prematuridade sobre o desenvolvimento intelectual da criança é muito maior do que se imaginava. Cerca de 80% dos bebês que nascem com menos de trinta semanas de gestação têm o desenvolvimento do cérebro afetado e demoram mais tempo para processar informações do que as outras crianças. Por esse motivo, quem nasceu com menos de 1 quilo é mais propenso a ter QI abaixo da média. Além disso, os prematuros desenvolvem problemas neurológicos e de comportamento, como hiperatividade, distúrbio de déficit de atenção e dificuldades de aprendizado, com muito mais freqüência do que as crianças que nascem no tempo certo. Estatisticamente, essas constatações ganham importância porque os tratamentos de infertilidade – que resultam quase sempre em gravidez de múltiplos – provocaram aumento expressivo no número de prematuros. Nos Estados Unidos, por exemplo, a incidência de partos antes do tempo cresceu quase 30% nos últimos 25 anos.
A maior pesquisa já realizada no mundo foi feita pela Universidade de Nottingham, na Inglaterra, e acompanhou 314 crianças que nasceram com menos de 26 semanas de gestação. Os resultados, apresentados neste ano, são preocupantes. Aos 2 anos e meio de idade, um terço dos meninos e um sexto das meninas – o estudo não explica o porquê da diferença – apresentavam distúrbios de comportamento, a maioria deles relacionada a dificuldades de atenção. Entre 5 e 6 anos, metade deles tinha problemas no desenvolvimento cognitivo. Outra pesquisa, da Universidade Yale, nos Estados Unidos, mostra que, aos 8 anos, uma em cada cinco crianças nascidas prematuramente já repetiu a série no colégio. É o dobro da taxa de repetência entre as que nasceram no tempo normal. “Hoje, temos todas as condições para assegurar cada vez mais a sobrevivência dos prematuros, mas ainda não temos todas as ferramentas para garantir o futuro deles.” Diz Wladimir Taborda, ginecologista e obstetra, coordenador da maternidade do Hospital Albert Einstein em São Paulo.
O grande desafio é reduzir o impacto do período de permanência nas UTIs neonatais sobre o cérebro. O esforço para tornar esse ambiente menos inóspito tem sido grande e já resultou em mudanças importantes, como a redução do ruído e da luminosidade e o estímulo ao maior contato com os pais, mesmo com o bebê ainda dentro da incubadora. Mas, evidentemente, nenhuma destas medidas é capaz de transformar a UTI em algo minimamente parecido com o ambiente uterino. Até porque, para garantir a sobrevivência da criança, muitas vezes é preciso submetê-la a uma série de procedimentos fisicamente agressivos. Assim, é possível salvar bebês a partir da 24ª semana (quando os órgãos vitais já estão formados), mas não se consegue prevenir limitações neurológicas. “A maioria dos pais acha que depois que o filho sai da incubadora está tudo resolvido, mas não é isso que ocorre. Independentemente do quadro clínico, todo prematuro deve receber acompanhamento médico especial durante os anos seguintes”, diz Alice Deutsch, coordenadora da UTI neonatal do Hospital Albert Einstein.
Como a prevenção é difícil, a saída é realmente identificar a existência desse tipo de problema quanto antes. Todo pai e toda mãe acompanham o desenvolvimento do filho, comemoram os avanços e se preocupam se percebem algum atraso. Os pais de prematuros devem ter atenção redobrada para esse aspecto e pedir orientação ao pediatra se houver qualquer dúvida em relação ao comportamento do bebê. A partir de 1 ano, quando ele começa a andar e falar, fica mais fácil acompanhar sua evolução. “ Se alguma coisa parece não estar indo bem, é hora de procurar ajuda de um especialista”, explica Ênio Roberto de Andrade, diretor do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas da USP.
Adotado o tratamento adequado a cada caso, ganha-se um tempo precioso e são dadas à criança condições muito melhores de aprendizado. É importante ter claro que o parto prematuro impõe, sim, desafios especiais, mas não pode ser encarado como uma condenação à limitação intelectual. Há muitos exemplos de grandes figuras do pensamento que nasceram antes da hora. O primeiro-ministro inglês Winston Churchill, uma das maiores lideranças da história de seu país, era prematuro, assim como o alemão Johannes Kepler, que revolucionou o estudo da astronomia depois de provar que a Terra e os demais planetas descrevem, órbita elíptica em torno do Sol. O físico inglês Isaac Newton, formulador da lei da gravidade, nasceu tão pequeno que ninguém acreditou que ele fosse viver nem um dia sequer. Viveu e deixou um legado intelectual incomparável.

DIFICULDADE DE APRENDIZADO
Pesquisas mostram que a prematuridade pode causar atraso no desenvolvimento intelectual das crianças.

• Bebês nascidos com peso inferior a 1 quilo têm maior probabilidade de ter QI abaixo da média.
• 10% apresentam distúrbios neurológicos.
• Aos 6 anos, 50% demonstram dificuldade de aprendizagem.
• Aos 8 anos, metade precisa receber ajuda extra-escolar. Um em cada cinco já repetiu uma série no colégio.

Fonte: Revista VEJA, 7 de setembro de 2005, reportagem escrita por Roberta Salomone

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